Resumo
O trabalho aqui apresentado analisa o Projeto Artesanato Brasil com Design desenvolvido pela CAIXA Econômica Federal como uma ação híbrida de marketing cultural e de relacionamento, comunicação e ainda de responsabilidade social. A metodologia escolhida priorizou de um lado, a conceituação dos termos através do posicionamento dos teóricos das áreas envolvidas como cultura, comunicação corporativa e marketing, e, de outro, a análise do projeto realizada a luz dos referenciais teóricos adquiridos, e, a partir do contato com a Instituição e com o produto final do mesmo.
Palavras-chave: Artesanato; Design; Marketing cultural; Relacionamento; Responsabilidade Social.
A CAIXA Econômica Federal lançou em 2003 a primeira edição do Projeto Artesanato Brasil com Design com o objetivo de agregar valor cultural e social aos brindes especiais entregues às autoridades e clientes vips pelos executivos da Empresa em todo o país nas ações de final de ano. A idéia foi trabalhar com peças artesanais de várias comunidades brasileiras, mas não só isso, como também proporcionar a interação entre designers e artesãos visando aperfeiçoar o processo de produção dos artesãos a partir da mistura de materiais, objetivando também um maior valor estético às peças confeccionadas especialmente para a CAIXA. Esta iniciativa buscou aliar uma ação já costumeira de marketing de relacionamento, a outras possibilidades de atuação que a enquadram dentro do processo de marketing cultural e de responsabilidade social, como também, possibilitou através da confecção de peças artesanais de todo o país, um mapeamento parcial da diversidade dessa modalidade de produtos culturais brasileiros.
O presente trabalho tem como objetivo apresentar o projeto Artesanato Brasil com Design dentro da perspectiva do marketing cultural e de relacionamento e dos links com a comunicação corporativa e a responsabilidade social, para tanto, realizamos inicialmente um rápido passeio pelos conceitos de cultura, para em seguida mergulharmos no mundo do marketing cultural e de relacionamento, comunicação e responsabilidade social, e ao final apresentarmos o projeto em confronto com os conceitos relacionados.
Campo do Sagrado
Trabalhar o conceito de cultura é uma tarefa na qual já se lançaram teóricos e filósofos ao longo da história. Para os romanos, cultura que deriva de cultivar (colere) implicava em cultura animi, o ato de cultivar o espírito, e, tudo que contribuía positivamente para isto, possuía lugar de destaque, assim, artes, letras, filosofia e o direito constituíam o foco do conhecimento na sociedade romana.
Sodré(1988, p.14) afirma que a palavra cultura encontra-se intimamente relacionada com "as práticas de organização simbólica, de produção real de sentido, de relacionamento com o real", para ele, "a delimitação da estrutura cultural, ou seja, a demonstração da irredutibilidade ou da especificidade dessa prática vai implicar em estabelecer as condições de admissão de um fenômeno como elemento de cultura". Nesse sentido a idéia de cultura, esteja ela, dentro ou fora de um discurso antropológico, encontra-se centrada na idéia de campo normativo, um espaço próprio de identificação de elementos comuns e exclusão de elementos outros.
A noção de cultura dos sofistas gregos no século IV a.C, cujo sentido relaciona-se com a educação do homem enquanto cidadão, e que se resume na noção de paidéia, como conjunto que reúne poesia, artes, ciências e leis possui equivalência à cultura animi dos romanos, que já citamos.
Entre os alemães, cultura ou kultur relacionava-se com as particularidades de cada grupo social distinto. Ainda segundo Sodré (1988, p. 22), "Kultur permitia ao alemão definir-se, porque era uma noção capaz de exprimir o espiritual (das rein geistige) e suas realizações materiais (Leistunger: arte, ciência e filosofia, etc) que se incorporavam ao individuo através da Bildiung ( formação, erudição)".
Desta forma, no processo evolutivo das sociedades, cultura termina por ressurgir a partir de uma visão burguesa de excelência ligada às noções de progresso, e de distinção social, a partir de elementos da intelectualidade burguesa. De um lado, consolidavam-se os espíritos evoluídos, lado em que se encontravam os ricos de posse e de cultura e, de outro, os pobres de espírito, por conseguinte sem recursos. Nascem assim, as diferenças ainda hoje discutidas entre cultura erudita e cultura popular, dentre outras classificações.
Ribeiro (2004) ao confrontar o conceito de cultura em Pierre Bourdieu e Raymond Williams vai expor algumas singularidades do pensamento desses autores. Assim, Williams apud Ribeiro (2004 p.13) afirma que o termo cultura "assinala" o esforço para uma avaliação qualitativa total, para ele, o conceito de cultura está ligado à noção de "experiência". Segundo Ribeiro (2004, p.13) ao afirmar que a "cultura não é apenas um corpo de trabalho imaginário e intelectual, é também, essencialmente um modo de vida. Williams a identifica com noções mais abstratas, como as de processo, totalidade, história e sociedade". Dessa forma, para Williams cultura refere-se a indivíduos presentes na mesma processualidade histórica. "Há nesse sentido a "experiência comum" de compartilhamento...". (Williams apud Ribeiro, 2004, p.15).
Hall (2003. p.135) referindo-se a Williams afirma que "a concepção de cultura é, em si mesma socializada e democratizada. Não consiste mais na soma de o "melhor que foi pensado e dito"".
Bosi (2002) ao analisar a dialética da colonização dedica-se a descobrir os caminhos da cultura brasileira, para tanto, classifica a cultura, em cultura erudita, vivenciada a partir da educação formal e acadêmica, cultura popular, cultura de massa, que se propaga a partir do consumo de bens materiais e simbólicos vendidos pela mídia e, em cultura criadora, presente nas mentes e corpos privilegiados dos artistas. Ainda de acordo com Bosi, a cultura popular ao se relacionar com a cultura de massa sofre "vampirismo" duplo, de um lado, destrói-se a cultura popular em seu próprio meio e, de outro, exibe-se a mesma como atração exótica. Todavia, Bosi considera que o processo exploratório, processado pela mídia e cultura de massa, não interrompe, o que ele denomina de dinamismo lento, que se reproduz em micro-escala, e o autor vai mais longe, ao enfatizar que o povo encontra na mídia, novas simbologias que incorpora ao seu sistema de significados e que adapta às manifestações, criando processos híbridos culturais, que novamente alcançam o imaginário social.
Já a Constituição brasileira promulgada em 1988 refere-se à cultura no artigo 216 nos seguintes termos, "Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira".
Assim, além da pluralidade de conceitos que definem a cultura e, que refletem as diversas posições a respeito do campo cultural, existem inúmeras formas de promoção, difusão, apreensão, transformação e divulgação dos valores culturais, e, é exatamente no cruzamento entre a cultura que denominamos de campo do sagrado e, a exploração econômica dela, através do marketing cultural, que simbolicamente denominamos campo do profano, que neste trabalho vasculhamos os aspectos positivos de uma iniciativa, que busca aliar artesanato popular com uma proposta mais arrojada de concepção de peças artesanais a partir de conceitos advindos do design. Janete Costa, arquiteta e curadora da coleção do Projeto em análise no ano de 2004, afirmou em entrevista, disponível no cdrom, que o design se originou a partir do artesanato, sobretudo, no norte da europa.
Campo do Profano
O que aqui denominamos de campo do profano é a intersecção que permite hoje que as manifestações sobrevivam, sejam conhecidas e reconhecidas e que integrem o patrimônio cultural de um povo, ou seja, é a necessária interface com a economia de mercado e com a comunicação, que para muitos amantes radicais de princípios culturais vistos como invioláveis, é de fato um campo aonde a profanação do sagrado ocorre.
Aqui nos limitaremos ao marketing cultural numa perspectiva da comunicação corporativa, como também, como ferramenta do marketing de relacionamento.
Comunicação Corporativa
O processo de comunicação dentro das empresas brasileiras é relativamente recente, evoluindo nas últimas três décadas, em busca de um modelo que integre, sinergicamente, todos os setores da empresa envolvidos com a comunicação e com o marketing.
É na década de 1970 que se esboça, no Brasil, o perfil de uma comunicação empresarial eficiente, graças ao ingresso de profissionais da área nas atividades internas das empresas, tais como: relações públicas, jornalistas e publicitários, que assumem os postos, antes ocupados por pessoas com outra formação. Na década seguinte, os processos comunicativos ganham impulso no mercado brasileiro, quando grandes empresas e instituições do País criam setores especializados de comunicação, nos quais se destacam os papéis do jornalista empresarial e do profissional de relações públicas.
O processo evolutivo ocorre de tal forma que, no último decênio do século XX, a comunicação empresarial passa a ser considerada estratégica para grande parte das empresas atuantes no mercado nacional, em sua maioria, influenciadas pela onda do marketing e dos processos de reengenharia, que invadem o mercado e ganham reflexos nas principais academias brasileiras de administração. O marketing, em termos de realidade nacional, ultrapassa os limites da administração e alia-se à comunicação, gerando discussões conceituais, tanto para os leigos como para os profissionais. Aqui, há que se ponderar que mesmo com os modismos advindos da realidade demonstrada, os profissionais de comunicação ainda se encontram, em muitos casos, subordinados a setores que nada possuem de estratégicos, logo a comunicação passou a ser estratégica, mas quem a planeja nem sempre encontra-se em condições de definir as estratégias viáveis.
A este respeito, Bueno, W. (2003) acredita que a concepção de comunicação empresarial se aprimora, ao longo do tempo, deixando de ser tão-somente um conjunto de atividades fragmentadas, para se configurar como processo integrado que orienta o relacionamento das empresas com os seus públicos. Torquato (2002), no entanto, diante do processo evolutivo da área, opta por substituir a expressão - comunicação empresarial -, utilizada por ele mesmo, nos anos 1970, pela denominação - comunicação organizacional -, mais abrangente e aplicável a instituições públicas, sindicatos, confederações, escolas etc. De fato, quer se utilize uma ou outra terminologia, no contexto de uma instituição pública ou privada, a comunicação ou a propagada comunicação integrada de marketing assume, na realidade atual, um conjunto de novas competências, que agregam a formação e manutenção da boa imagem, mediante a intensificação da venda de produtos e serviços.
Todavia, é preciso registrar que a evolução no mercado não é visível apenas na comunicação. Outros fatores, como a globalização econômica; a evolução dos processos de gestão; a evolução nos sistemas de vendas e distribuição face às novas tecnologias; a democratização da educação e da informação e a divulgação do conceito de cidadania concorrem para a nova postura das organizações. Estas procuram se tornar mais agressivas mercadologicamente, como também, mais responsáveis e cidadãs, favorecendo aos consumidores e cidadãos o exercício de seus direitos e deveres.
Dentro do complexo mix de marketing e comunicação das organizações atualmente, encontramos o marketing cultural, viabilizado através da comunicação com atitude, seja através de patrocínios ou de outras ações promocionais.
Marketing cultural uma ferramenta a mais no relacionamento
A estratégia de marketing cultural compõe o mix de marketing de uma Empresa ou Instituição e está diretamente relacionada a aspectos de sua identidade que devem ser ressaltados em sua imagem corporativa. Escolher a área de atuação, sobretudo, no campo cultural é tarefa que se realiza somente com uma análise sistêmica do perfil identitário da Empresa e tem por fim, agregar valor à imagem da Empresa, como já frisamos. Se os projetos culturais escolhidos podem além do previsto, agregar valor cultural e social, ao mesmo tempo, em que se beneficiam, então a parceria já possui grandes chances de sucesso.
Reis ( 2003,p.4) cita que a definição de marketing que considera uma das mais completas é a da American Marketing Association que o define como " o processo de planejamento e execução da concepção, da definição de preço, da promoção e da distribuição de idéias, produtos e serviços, organizações e eventos para criar trocas que irão satisfazer os objetivos das pessoas e empresas". A mesma autora complementa afirmando que o marketing cultural se insere neste panorama utilizando as manifestações culturais como elementos de transmissão de mensagens que se relacionam com a imagem da empresa. E complementa afirmando que o marketing cultural "não se confunde com os programas e ações desenvolvidos por organizações culturais, intermediários culturais ou criadores culturais, que têm na cultura seu campo de ação".
O marketing cultural tem, portanto, como objetivo potencializar a exposição da marca, agregando valor positivo.
Algumas formas de atuação compõem o planejamento da Empresa nessa área, como patrocínios e promoções próprias. O patrocínio com recursos próprios ou através de leis de incentivo refere-se à transferência de recursos para outras instituições. Pode-se ainda realizar parcerias visando disponibilizar serviços a terceiros que estejam realizando eventos, promovendo reformas em museus e instituições, dentre outras possibilidades. O patrocínio tem como objetivo precípuo a visibilidade da marca através da publicidade proporcionada pelo evento patrocinado, nesse sentido, é que muitos tem atribuído ao termo o plus de comunicação com atitude. Todavia, o patrocínio possui ainda muitas outras motivações, dentre elas, o reforço dos laços comerciais e financeiros com os realizadores ou promotores do evento beneficiado.
Dentre as contrapartidas negociadas em patrocínios, e que envolvem retorno de imagem através da mídia e material promocional, um filão vem sendo explorado eficazmente, e que se situa silenciosamente no marketing de relacionamento, ou seja, o uso dos eventos patrocinados para estreitar o relacionamento com clientes especiais, ou ainda para captar clientes vips, através de um processo que vai além das expectativas do cliente. Assim, em eventos esportivos de grande porte, inúmeras empresas patrocinam o evento, ou, simplesmente compram cotas para montagem de hospitalitys centers e/ou salas vips, realização eventos privados, com direito a companhia de grandes astros do esporte favorito do cliente, dentre outras ações. Na cultura, também se percebem iniciativas desse porte, assim, é possível patrocinar uma turnê de uma orquestra sinfônica, e em troca obter uma noite especial para clientes ou ainda para empregados, fazendo uma ponte entre o marketing cultural, o relacionamento e o endomarketing.
É bom que ressalte que as ações de marketing cultural podem e devem possuir links com outras ações da comunicação corporativa, sendo, portanto, necessário o apoio das áreas que fazem a comunicação para o sucesso da iniciativa; considerando, sobretudo, que as ações de patrocínio, como já colocamos anteriormente fazem parte de um projeto maior que inclui as características identitárias da Empresa, e, logo, devem ser, prioritariamente, compostas de projetos a longo prazo, de forma a possibilitar a associação da marca da patrocinadora ao evento patrocinado. Válido ainda lembrar, que patrocínios pontuais e que possuem interesse meramente mercadológico e que se fazem necessários por questões pontuais de necessidade de visibilidade, dificilmente se agregam à imagem da Empresa.
Em se considerando o marketing de relacionamento Kotler (1999, p.397) o define como uma ação que " significa criar, manter e acentuar sólidos relacionamentos com os clientes e outros públicos", nesse sentido afirma que o marketing de relacionamento está voltado para o longo prazo, visando oferecer valor de longo prazo para a clientela, e com isso, tentar fidelizar o cliente, com valores próprios e específicos daquela empresa encontrados no atendimento e em vantagens exclusivas.
Desta forma, ações que se situam na fronteira entre o relacionamento e o marketing cultural podem ainda ser iniciativas da própria Empresa/Instituição como a promoção de eventos que visem proporcionar à clientela, um evento inesquecível.
Contudo, quando a iniciativa de tornar uma ação de marketing de relacionamento comum, como a entrega de brindes especiais a grandes clientes e autoridades, possui além desse lado, um outro caráter, o de agregar valor social e cultural ao "presente", outras variáveis positivas são somadas à identidade da Instituição.O fato é que, no objeto em análise, o desenvolvimento de uma linha inovadora de produtos artesanais proporcionou uma nova perspectiva para uma ação de marketing de relacionamento, com forte foco no marketing cultural, e na responsabilidade social corporativa.
Em busca da salvação
A salvação das almas se faz hoje, dentro do mundo corporativo através do processo conhecido como responsabilidade social corporativa, que já possui a norma internacional SA 8000 que nos mesmos moldes do selo ISO-International Organization for Standardization 9000, gestão da qualidade, e, do selo ISO 14000, preocupação com o meio-ambiente, se insere como a norma da responsabilidade social, sobretudo, no que concerne aos aspectos relativos às condições de trabalho dos empregados. Esse princípio deveria, em tese, ser desarticulado da estratégia de comunicação e, portanto, isento de segundas intenções, mas divulgar o balanço social, enfocando ações realmente sociais, agora integra as principais estratégias de comunicação de qualquer empresa, que se utiliza do conceito de responsabilidade social corporativa, para praticar uma ética de utilidade, aproveitando os aspectos positivos dessa publicidade.
Para Reis (2003, p.10)
" A responsabilidade social é caracterizada por uma postura ativa e um comprometimento da empresa em não apenas ser ética e assumir a responsabilidade pelo bem-estar de seus funcionários, como também em promover o desenvolvimento da comunidade em que atua, em termos econômico, social, ambiental, cultural, político, educacional, de forma integrada com o dia-a-dia de seu negócio".
Kotler (2000, p.47) ao falar sobre Marketing societal afirma que este deve ser direcionado para o bem estar do consumidor e da sociedade, através do equilíbrio entre os lucros da empresa, a satisfação do interesses dos clientes e o interesse da sociedade.
Dunn apud Costa (2004, p.30) destaca três vantagens competitivas para as "empresas cidadãs", a primeira seria a facilidade e o acesso ao capital internacional, ou seja, investidores internacionais e socialmente responsáveis em geral aplicam em mercados que possuam também um "selo" de responsabilidade social. A segunda vantagem seria um melhor desempenho mercadológico provocado pela visibilidade de uma postura ética e comprometida e, a última seria a motivação de seu corpo funcional.
Costa (2004, p.31) destaca ainda os dados de uma pesquisa promovida pelo Instituo Ethos de Responsabilidade Social realizada em 2001 em parceria com o jornal Valor Econômico, cujos resultados dão conta de que 22% dos entrevistados " prestigiam ou punem empresas por seu comportamento social".
Bueno (2005, p.127), no entanto, pondera que inúmeras empresas se apropriam indevidamente do conceito para repassar uma imagem que não coincide com sua identidade e assim praticar uma "propaganda" enganosa frente à sociedade, segundo o autor " o conceito andou criando clones e mais clones, de tal modo que qualquer organização pode, agora, lançar mão do seu conceito, fabricado em casa, ou manipular (impunemente) o conceito dos outros, para ver-se, finalmente, enquadrada como parceira da cidadania". Em sua concepção uma ação articulada de comunicação pode amplificar uma mentira, e possibilitar grande visibilidade a empresas, entidades ou órgãos governamentais na mídia de referência, como grandes bem-feitores da sociedade. Bueno vai mais longe ao afirmar que o conceito de responsabilidade deve ser analisado de maneira sistêmica, e deve abranger a instituição e suas relações com os empregados, clientes, sociedade em geral e meio ambiente, nesse sentido, "só teria condições de ser considerada socialmente responsável a organização que não ferisse qualquer dos princípios de transparência ética, comportamento social saudável, etc".
Diante das posturas controversas apresentadas, busca-se para o processo de responsabilidade um lugar que não se restrinja à redenção do mundo corporativo frente à sociedade, mas um lugar aonde os princípios éticos sejam de fato preservados, logo a adoção de uma ética de mercado ou de utilidade deve ser ponderada, pois uma ação pensada para ser destaque em responsabilidade social, pode-se voltar contra a instituição que a concebeu e se refletir negativamente em sua identidade.
O Projeto Artesanato Brasil com Design
Antes de mergulharmos no objeto definido como corpus de análise da presente investigação, vale ainda, pensarmos um pouco acerca da instituição aonde o Projeto de Artesanato se desenvolveu, a CAIXA Econômica Federal, que possui identidade multifacetada, composta por três frentes principais, das quais se ramificam inúmeros e pequenos fragmentos identitários. De um lado, o banco social ou de fomento com a atuação em duas frentes, desenvolvimento urbano, como principal instituição do Governo federal responsável pela aplicação das políticas públicas de habitação, saneamento, dentre outras; e transferência de benefícios, novamente a serviço do Governo do Federal como principal agente repassador de recursos para a população brasileira através de pagamentos de programas como o PIS- Programa de Integração Social, Seguro-desemprego, Bolsa-família, etc., e ainda gestora do FGTS- Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. E de outro lado, o banco comercial com atribuições comuns a qualquer instituição financeira, aonde se destaca como banco da poupança e do penhor, este último, monopólio que mantém desde o século XIX. Como se não bastasse tudo isso, a CAIXA ainda gerencia as loterias e é a principal repassadora de verbas do Orçamento Geral da União para Estados e municípios brasileiros. Com uma capilaridade que lhe permite estar presente nos 5.563 municípios do Brasil, a CAIXA é reconhecida pelo povo, não como um banco, que possui um aspecto mais duro e masculino, mas como uma mãe, às vezes bem relaxada e com longas filas e um atendimento nem sempre dos melhores.
Os investimentos em cultura na Empresa acontecem em seus espaços culturais mantidos em Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Salvador, assim como, no investimento em obras de arte que compõem o acervo da exposição Tesouros da CAIXA, que viaja pelo país. Desde 2004, a CAIXA vem investindo ainda em instituições culturais através do Programa CAIXA de Adoção de Entidades Culturais, com vistas a beneficiar outras comunidades e instituições por todo o Brasil, descentralizando o investimento em cultura.
Mesmo com um bom investimento em várias áreas da cultura, a CAIXA que figura na relação dos patrocinadores nacionais em posição nada destacável, ainda não conseguiu firmar sua marca em uma área específica que a identifique. O Projeto Artesanato Brasil com Design já realizado ao longo de três e com perspectiva de continuidade e novas possibilidades de atuação, pode proporcioná-la essa visibilidade e identificação.
Mas o que é o Projeto Artesanato Brasil com Design?
Como dito anteriormente, em 2003 a CAIXA buscou otimizar uma ação de relacionamento através de brindes promocionais com agregação de valor social e cultural aos mesmos. "O desafio da proposta: criar uma Coleção de Brindes exclusivos que pudessem ser apreciados não só pelo valor estético e cultural, mas também pelo conteúdo social e emocional que eles agregam" (CAIXA, 2003). O projeto pensado procurou conjugar marketing de relacionamento com " com ações efetivas de apoio e fomento sócio-cultural". A rica diversidade cultural expressa através da infinidade de modalidades da produção artesanal brasileira, inspirou a escolha do tema e rendeu até o momento três coleções as de 2003 e 2004 denominadas, Gente, bichos, flores e frutos do Brasil e, a de 2005 denominada Mistura brasileira.
Definido pela Empresa como uma ação de marketing social e cultural, o projeto em pauta buscou " um formato capaz de trabalhar de maneira consistente a imagem e a comunicação da CAIXA, transformando o brinde numa oportunidade de divulgar a missão e os compromissos da Instituição com ações sociais e de preservação da cultura".(CAIXA,2003).
Segundo a CAIXA(2003) o projeto procurou englobar toda a cadeia produtiva do artesanato, " desde a criação do produto artesanal, a partir da equilibrada união do artesão com o designer, até a aquisição dos brindes resultantes dessa parceria".
Aqui vale a pena destacar, que o casamento do artesanato com o design não é nenhuma novidade no mercado mundial. No Brasil, sobretudo, a partir do final da década de 1990 tem havido uma aproximação maior entre as duas categorias criativas, de um lado, a arte em estado mais puro, de outro, a criatividade incentivada por técnicas, tecnologias e materiais modernos. O SEBRAE já desenvolve em vários estados brasileiros projetos dessa natureza, buscando integrar profissionais de arquitetura e design com os artesãos buscando uma melhor qualidade para o produto de ambos. No Piauí desde 2003 se desenvolve os projetos CASA PIAUI e CARA PIAUÍ, o primeiro integra arquitetos e designers e artesãos criando peças exclusivas que visam tanto o mercado interno quanto externo. Já o segundo projeto é fruto da integração entre artesãs e estilistas nacionais, visando a criação de peças de roupa exclusivas.
A concepção do Projeto Artesanato Brasil com Design nasce neste contexto e ganha corpo dentro da Empresa, considerando que a CAIXA já possui em sua identidade traços que a qualificam como uma Instituição responsável pela melhoria da qualidade de vida da população brasileira em muitos momentos, como na aquisição da casa própria, na viabilidade do curso superior, no recebimento de benefícios, dentre outros. Logo, o desenvolvimento de um projeto com estes objetivos veio a casar com a imagem da Empresa, não configurando como uma ação de fachada, ou seja, realizada somente com fins de visibilidade, até porque o universo a ser beneficiado com os brindes é bem pequeno, considerando a atuação da mesma no mercado nacional.
A elaboração do projeto prescindiu da escolha das comunidades a partir de critérios como a qualidade do artesanato e a capacidade de produção, mas, principalmente, procurou manter o foco nos objetivos definidos pela equipe executora como o estímulo à criatividade artesanal na comunidade com vistas à continuidade da iniciativa, o fomento e a criação de empregos em pequenas comunidades rurais e urbanas, a promoção da melhoria da qualidade do produto artesanal, sem descaracterizá-lo, e a melhoria do ambiente de trabalho ou a aquisição de novos instrumentos e máquinas, e ainda elevar a qualificação do artesão e a qualidade do objeto. Realizou-se então um diagnóstico das carências das comunidades escolhidas, enfocando principalmente, os processos produtivos e de comercialização dos produtos, a partir daí se procurou desenvolver ações que pudessem impulsionar e otimizar a produção artesanal nas comunidades envolvidas. De um lado, através da realização de treinamentos, oficinas e consultorias adequadas e adaptadas às características de cada comunidade, com o desenvolvimento de peças novas que foram incorporadas ao portfólio dos artesãos, assim como, a aquisição da maioria para brindes da CAIXA, e de outro, através do incentivo à bancarização dos artesãos. Nesse ponto, se pensou em linhas de micro-crédito exclusivas e projetos pilotos foram desenvolvidos em dois estados brasileiros, mas até o presente momento, a Empresa ainda não colocou o produto nas prateleiras.
Os números do projeto são animadores, mas animadores mesmo são os números do mercado de artesanato brasileiro que em 2003 movimentava a cifra de R$ 28 bilhões em diferentes arranjos produtivos, que vão desde a atividade individual ou familiar à composição em micro e pequenas empresas ou cooperativas. Na época, é bom que se destaque, cerca de 8 milhões de brasileiros desempenhavam esta atividade(CAIXA,2003). Quanto ao Artesanato Brasil com Design, em três anos, mais de 60 comunidades foram beneficiadas em todos os Estados brasileiros, mais de 800 artesãos foram treinados e estiveram envolvidos com o projeto, 76 peças foram confeccionadas e aproximadamente 6.000 brindes foram adquiridos e distribuídos pela CAIXA.
O Artesanato Brasil com Design enquadra-se como uma ação positiva de marketing de relacionamento, sua ponte com o marketing cultural e social, é um dos pontos altos do seu sucesso. Em outro prisma, verifica-se que a CAIXA tem procurado ainda vincular sua imagem a cadeia produtiva do artesanato, principalmente, no que concerne a nova leitura estética proporcionada pela interação entre as categorias criativas já mencionadas. Como afirma Costa (2004, p. 49) "Uma das principais razões que levam uma empresa a patrocinar uma atividade cultural é ganhar determinada associação entre um segmento-alvo (sic). A criação da associação desejada dependerá da força de três vínculos: evento patrocinado, associações desejadas e marca".
A ação em pauta, assim como, o patrocínio oferece inúmeras vantagens, porque diferentemente da publicidade, que é, em si, invasiva, no sentido de que tem como objetivo persuadir determinado público a consumir determinados produtos ou serviços, a ação de marketing cultural procura uma aproximação com o cliente de um modo direto, porém, não agressivo. Uma das vantagens então, é poder se tornar parte da vida das pessoas envolvidas criando vínculos entre as que participaram do processo de produção dos brindes com as que foram contempladas com brindes exclusivos e resultantes de um trabalho social e todas se relacionando com a Empresa, podendo tanto quanto o patrocínio, como afirmam Aaker e Joachimsthaler apud Costa (2004, p.40) "ser muito eficaz para estender as marcas além dos atributos tangíveis porque desenvolvem associações que acrescentam profundidade, riqueza e um sentimento contemporâneo em relação à marca e ao seu relacionamento com os clientes."
No que se refere ao processo de responsabilidade social corporativa, a CAIXA já integrante do Instituto Ethos procura desenvolver inúmeras ações que a qualifiquem como uma empresa ética, no entanto, não cabe aqui discutirmos os aspectos positivos de sua atuação ou negativos de sua identidade que poderiam deixá-la dentro ou fora do rol das melhores. Todavia, o projeto que aqui se analisa é com certeza, um grande passo neste sentido, isto se pesarmos, somente dois dos aspectos envolvidos, como os benefícios para as comunidades artesanais envolvidas e ainda sua visibilidade restrita.
Conclusões
A análise do Artesanato Brasil com Design nos possibilitou o encontro com uma nova forma de atuação das empresas, misto de marketing de relacionamento, marketing cultural e responsabilidade social, em um processo que busca agregar valor à identidade da Empresa, refletindo positivamente em sua imagem, através de uma ação que se pode denominar de comunicação com atitude.
Os números do projeto dão conta de uma iniciativa bem sucedida no que concerne à viabilidade e aos benefícios para as comunidades envolvidas, o que nos leva a crer que ações desta natureza possam de fato ser positivas para as instituições que venham a desenvolvê-las.
O casamento do sagrado com o profano e a busca da salvação se completou no caso analisado, resta saber se é de fato viável em uma escala maior.
Notas
1) Trabalho apresentado ao NP Relações Públicas e Comunicação Organizacional, do VI Encontro dos Núcleos de Pesquisa da INTERCOM; XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação- UNB 6 a 9 set 2006.
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FONTE: http://www.comunicacaoempresarial.com.br/revista/04/artigos/artigo3.asp
ELABORADO POR:
Ana Regina Barros RÊGO Leal
Profa. da UFPI- Universidade Federal do Piauí; Mestra em Comunicação e Cultura ECO/UFRJ; Doutoranda em Comunicação UMESP.